quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Forma

Paulo Bruscky:





A arte é uma forma de ver, não de fazer



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O eu e os outros - O eu e as obras de arte – Um modo de ver

 Primeira metade do século 20, Martin Buber, judeu austríaco, filósofo, diz:

 Frequentemente, julgamos tanto as pessoas quanto os objetos por sua função. Isto pode ser útil: para um médico, ao examinar um paciente a procura de doenças específicas, é melhor que ele veja o paciente como um organismo e não como indivíduo; cientistas podem aprender muito sobre nosso mundo observando-o, medindo-o, examinando-o, testando-o.

Infelizmente, vemos as pessoas do mesmo modo na maioria das vezes. Ao invés de nos tornarmos completamente acessíveis, compartilhando totalmente, realmente conversando, compreendendo o outro, nós os observamos ou mantemos parte de nós mesmos fora do momento da relação. Nós fazemos isto para proteger nossas vulnerabilidades ou para fazer com que eles respondam de alguma maneira pré-concebida, para conseguir alguma coisa.

Para Buber, a relação ideal, que chama de Eu-Tu acontece quando se está completamente imerso na relação, realmente entendendo e “estando lá” com outra pessoa, sem máscaras, pretensões, falsidades, até mesmo sem palavras. Na dimensão da alteridade é que o filósofo vê o espaço entre o “eu” e o “outro”,  o autêntico terceiro,que chama de relação inter-humana, diferente de relações sociais.
Assim, perceber o outro é tomar dele um conhecimento íntimo, diferente da observação analítica que reduz e transforma o outro em simples objeto.  É "tornar o outro presente", pelo diálogo, pela palavra, sem que haja supremacia de um sobre o outro.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Coisa antigas que ( ainda) não estão entre nós

  Depois dos anos 1960, estudiosos de literatura, como o alemão Wolfgang Iser, deram-se conta de que determinado procedimento de interpretação de textos não conseguia explicar obras da literatura daquele contexto. Ou melhor, os critérios não mais alcançavam as obras, ou as obras começaram a se tornar incompreensíveis diante dos procedimentos habituais de interpretação. Determinadas convenções orientadoras não atendiam à recepção das obras literárias.
 Novas experiências culturais da modernidade, proposições teóricas de mais de uma área de conhecimento e mais o clima anti-autoritário da revolta estudantil de 1968 no mundo, colaboraram nesse sentido. A perspectiva que Wolfgang Iser propõe trata o fenômeno literário como algo relacionado à contingência, à idéia de diferença, de construção parcial de mundo, de caráter provisório das identidades, de equilíbrio flutuante, de “heterarquias”, ao invés de hierarquias.  E de uma noção de indivíduo que leva em conta suas realizações, sua linguagem, suas obras, seus costumes, sua cultura.

 Iser se inspira em pontos de vista da época voltados para o relacional, o inclusivismo, a contextualização, a temporalidade. Estuda-se literatura, diz Iser, para entender como as coisas são o que são. Ao invés de procurar a verdade, a literatura busca estudar o lugar da emergência. Não há diferença entre ficção e realidade - continuamente formatada e produzida.Por isso, recorre à sociologia do conhecimento, à psicanálise, à psicologia, para compreensão dos mecanismos de subjetivação como interações complexas, que ele vê também na relação entre texto e leitor.


As investigações de Berger e Luckmann, na sociologia do conhecimento  dizem  respeito à Construção Social da Realidade. Questionando a visão do caráter a-histórico do “sistema social” e da “natureza humana”, os dois autores trazem uma perspectiva radicalmente diferente das concepções teóricas vigentes ao assinalarem que o homem ao construir a realidade, se constrói a si próprio, em processo de transformação constante, em que natureza, sociedade, realidade objetiva e subjetiva, vão se opor e se integrar. Importa, portanto, o que é dado, o que aparece como empírico e não o caráter de causalidade. Desse modo, as instituições, o instituído,  são construídos  a partir da relação entre sujeito e sociedade, onde os limites entre um e outro são bastante tênues.  


Ronald Laing, H. Phillipson e A. R. Lee, ligados ao movimento  chamado de anti-psiquiatria dos anos 1960/70, mostraram como  os  modelos  clássicos  no  âmbito da psicologia e da psicanálise, primando por  um ponto de vista egotista,  eram  insuficientes  para  a concepção de   identidade. As teorias e estudos do indivíduo, isolando-o de seu contexto, garantem uma identidade constituída de um “eu” fechado e desvinculado do mundo dos outros.
Esses autores, a partir de uma área de conhecimento que chamam de “fenomenologia social”, mostram como a posição de uma pessoa é experimentada por outra, no face a face, o que pode ser estendido a qualquer outra díade. Trata-se de distinguir entre uma concepção da vida social como constituída por uma multiplicidade de egos e outra que tem a experiência do eu somente enriquecida na relação com o  você, ela, ele, nós, eles.


Iser recorre também às idéias de Roland Barthes e propõe o  texto como jogo


 O prazer do texto, a “absorção mais intensa do leitor no jogo do texto”, sistema de leitura caro a Barthes, significa para Iser a  capacidade de absorção do leitor no “jogo do texto”. Um sistema de leitura que convém ao “texto limite”, o texto moderno. Aqui, diz ele, o sujeito se põe no jogo, “pondo-se em jogo; desliza para o texto”.  Uma leitura, um jogo, uma relação, que requer um sujeito que se elimine como referência, para que transpasse o limiar, o outro.
 Para Barthes ao abstrair-se de si mesmo, o leitor torna-se um leitor “aristocrático”, que não é o mesmo que um leitor elitista. O “aristocrata” de Barthes é aquele que abandona seus costumes, familiaridades, evidências. O prazer dessa relação está no outro, ele surge a partir das condições do texto. Nesse caso, o prazer que é puramente do próprio sujeito, desaparece rapidamente numa interação do sujeito com o texto onde o prazer pode ser desdobrado em repetição infinita, pelo auto-esquecimento, pelo perder-se. Talvez alcance até uma eternidade que na vida real não se tem como  alcançar. O deslizar para a falta de fundamento, para a experiência da alteridade, é o que está em jogo nessa relação onde “o sujeito leitor coincide com o ‘sujeito do texto’”.




domingo, 8 de novembro de 2009

Outro lado



   Em  O outro lado da obra (Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, 12/04/2003. P.8), Annateresa Fabris lembra que no século 15 o artista sai da condição social de artesão para a de intelectual, passando a engajar-se em discussões sobre os processos criadores, a partir de um ideal de correspondência com realidades concebidas a-historicamente.


 Esse artista-intelectual elabora tratados para a reflexão, especialmente sobre a perspectiva e a pintura como um método de reprodução fidedigna da realidade, e também sobre as leis universais para composição e sobre o conceito de beleza.


Do século 19 para cá, os artistas-intelectuais tem seu pensamento inserido no circuito social da arte por meio de publicação de artigos em jornais, revistas e em apresentações para as próprias exposições. Ao herdar culturalmente essas modalidades de intervenção, o século 20 não apenas as multiplica, mas acaba por torná-las quase que obrigatórias na relação do artista com a sociedade, como um papel mesmo a ser desempenhado pela própria arte.


 Na primeira metade do século 20, guiado pelo intuito pedagógico, o artista moderno, artista teórico, escreve artigos e livros, elabora manifestos, nos quais expõe quase sempre suas própria concepções de arte e seus métodos de trabalho. Obra e teoria tornam-se cada vez mais entrelaçados constituindo um programa operacional, um projeto estético.


  Nas décadas de 1960 e 70, o minimalismo e a arte conceitual colaboram para a atitude teórica na arte. Artigos são escritos por artistas como modo de explicitar a moldura teórica que justifica a práxis e também a vertente conceitual é apresentada como processo contínuo de reflexões que são, elas mesmas, proposições de definições de arte. Ao mesmo tempo, nesse contexto, estreitaram-se as relações entre as esferas culturais da arte e da política, principalmente com os movimentos neovanguardistas que introduzem ações estético-políticas de críticos e artistas em conjunto.


  Tal aproximação  acaba por romper com as fronteiras que separavam  antes o crítico do artista, o trabalho teórico do trabalho prático.  No Brasil dos anos 1960, críticos e artistas lançam propostas que acompanham os projetos das neovanguardas internacionais, desde a pop art até a arte conceitual. De um lado, é colocada em questão a trajetória do objeto artístico tradicional até a total desmaterialização da arte. A arte se transforma em processos, comportamentos, sensações e conceitos. De objetual, a arte passa a conceitual.  
 Além disso, os discursos dos críticos e dos artistas se inseriram no debate intelectual sobre a cultura brasileira.  Com o golpe militar de 1964, as propostas questionadoras das novas vanguardas resultam na articulação de uma cultura artística alternativa de resistência ao autoritarismo daquele contexto.


 Uma nova relação entre arte e política junta um antagonismo radical à política cultural estatal com questionamentos acerca do projeto moderno brasileiro. Essa diferente mentalidade resulta na combinação inventiva do programa utópico das vanguardas com novas poéticas que buscavam a inserção da arte na vida cotidiana dos grandes centros urbanos, considerando a importância da cultura de massa e dos avanços tecnológicos da sociedade industrial.


  A experimentação e a contestação são levadas ao limite da desmaterialização artística na neovanguarda.  Formulações conceituais para uma nova vanguarda, independente, brasileira, inserida criticamente na vida urbana, problematizam as categorias artísticas convencionais proclamando propostas experimentais, sensoriais, conceituais e processuais, em substituição à postura tradicionalmente contemplativa e esteticista.


Esse movimento coletivo, de artistas e críticos militantes, prosperou nos grandes centros urbanos do país, por meio de seminários, debates, documentos, publicações, Salões de Arte Moderna, Bienais, colunas de arte de jornais, tendo como uma de suas expressões mais significativas, em 1967, a exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nesse evento, a proposta ambiental impactante de Hélio Oiticica, intitulada Tropicália, além de sintetizar as propostas neovanguardistas, torna-se um marco na afirmação de uma arte política genuinamente brasileira.















 Outras manifestações significativas de ações coletivas dessa neovanguarda se seguiram após o evento no MAM do R.J. como o Arte na Rua, proposto também por Oiticica; Arte Pública no Aterro, coordenado por Oiticica e Frederico de Morais e O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, na Escola de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, exposição organizada por Frederico de Morais.


 Na virada para os anos 1970, Frederico de Morais conclama os artistas e os críticos a "se posicionarem radicalmente contra a arte convencional imposta pelos países hegemônicos",com atuações imprevistas e inusitadas, reivindicando um espaço para a liberdade de expressão verbal, comportamental e política.  Junto com novos artistas da ocasião, como Cildo Meirelles e Artur Barrio, o crítico realiza em Belo Horizonte o evento Do Corpo à Terra,  que ele mesmo chamou depois de a última manifestação coletiva da nova vanguarda no Brasil. Aqui,  propostas corporais, ecológicas e políticas  acabaram por se transformar em  ritual simbólico de reivindicação libertária e de protesto contra a repressão que imperava no país.


 Estudiosos da cultura artística brasileira, como Otília Arantes (Depois das Vanguardas: Arte em Revista, São Paulo. Ano 5. Número 7.25.08.1983) consideram que as neovanguardas brasileiras fecham o ciclo da arte moderna brasileira nos anos 1970, situando-se no   limite entre o moderno e o pós-moderno.   


 Em 1979, a propósito da produção artística-crítica de Waltércio Caldas Jr, o crítico Ronaldo Brito (em Chiarelli, Tadeu. O Tridimencional na Arte Brasileira dos Anos 80 e 90:genealogias,Superações.Em Tridimensionalidade.São Paulo,Cosac & Naify/ Itaú Cultural.1999) chama atenção para a impossibilidade de se ignorar o poder do circuito artístico. 
Para tanto, Brito reivindicava articulações radicalmente mais críticas e posturas e práticas artísticas desestabilizadoras dos conceitos instituídos na arte, para que esta “não acabasse se tornando uma mercadoria qualquer”. Brito questionava com sua posição a visão utópica das novas vanguardas.


 Grande parte dos artistas surgidos nesse período pós-neovanguarda  dos anos 1970, lança mão  claramente de um legado da arte moderna internacional que é a obra crítica de Marcel Duchamp, e com ela, toda a experiência mais radical do dada e do surrealismo. Via Duchamp, outros dadas e algumas vertentes surrealistas, os artistas operavam uma crítica à instituição “belas-artes”, rompendo com os códigos formais estabelecidos, os códigos hegemônicos da visualidade, da “linguagem” da arte.


Por não terem rompido com a explicitação da obra de arte pelo uso de algum mecanismo de materialização, os artistas, inspirados na vertente conceitualista internacional, passaram a utilizar materiais e objetos, das mais diversas procedências, desvinculados do universo canônico da arte. Abriu-se assim espaço para distintas poéticas, questionadoras e, ao mesmo tempo, permeáveis às mitologias individuais.   



As artes visuais passam a  incluir outros territórios, como o próprio corpo, o ambiente, em suas dimensões urbanas, geográficas, cósmicas, meios eletrônicos os mais diversos, o que torna as obras muitas vezes indescritíveis.
Tadeu Chiarelli lembra que essas obras não pressupõem algum conhecimento anterior à própria experiência do espectador diante delas. Elas comunicam primeiramente a presença delas mesmas, constituídas de materiais e formas articuladas, “à procura de um significado final que apenas o espectador-e cada um particularmente – pode dar, a partir de sua própria experiência de estar frente à obra, ou mesmo dentro dela (caso das instalações)”.











 Não há parâmetros mais para os artistas, nem para a crítica.  A base para cada artista é ele mesmo, enquanto artista, com toda carga histórica dessa atividade, enquanto pessoa, com seu próprio corpo, sua biografia, seu lugar, origem, etc... O artista é ele mesmo um pensamento se fazendo obra, ele é um movimento artístico.




Conversações

Na perspectiva do filósofo norte-americano Richard Rorty, de uns duzentos anos para cá, duas tendências vêm reunindo suas forças e tornando-se culturalmente preponderantes no mundo ocidental.  A Revolução Francesa mostrou que o vocabulário das relações sociais, assim como o espectro das instituições sociais, poderiam ser substituídos de um dia para o outro. A idéia de verdade como algo a ser revelado dá lugar à noção de que a verdade é feita, construída. 
Mais ou menos na mesma época, os poetas românticos passaram a ver a arte não mais como imitação, mas como autocriação do artista. Para o Romantismo, a arte deveria ocupar o mesmo lugar na cultura que a filosofia e a religião haviam ocupado, e ainda o mesmo lugar que o Iluminismo reclamava para a ciência.  No final do século 18 houve uma abertura para a idéia de que a moral, o mal, o bem, os valores, poderiam ser substituídos por novas re-descrições dos objetos em causa. O instrumento capital de mudança passou a ser visto mais como o talento para falar de outra maneira do que para a boa argumentação.


   Desde então, alguns filósofos vieram mantendo fidelidade ao iluminismo, identificando a filosofia com a ciência, considerada como a atividade paradigmática do ser humano. O antigo confronto entre ciência e religião, razão e irracionalidade, assume, para essa linha de pensamento, a forma de um confronto entre a razão e as forças culturais que pensam a verdade como sendo feita e não descoberta. O fato científico sólido passa a ser contraposto ao fato subjetivo.
 Já outros filósofos tomam a ciência como mais uma atividade humana, alinhando-se tanto ao lado dos políticos utópicos, que vislumbram transformações sociais, quanto dos artistas inovadores, que pensam a arte como autocriação – não como imitação, e a realidade como indiferente em grande parte às descrições que dela fazemos.
   Para esses intelectuais, perspectiva alguma poderia ser considerada a mais correta.  Não há correspondência entre a visão e o modo como as coisas são, pois elas não existem natural  e a-historicamente. Modos de dar sentido à vida particularmente das pessoas ou à vida social e coletiva, tornaram-se questões para a arte ou para a política e não mais para a religião, filosofia da tradição ou ciência.  
Rorty sugere que a filosofia seja aberta à contingência da linguagem, que ela se ocupe da re-descrição de várias coisas, de muitas outras maneiras, sem que isso se constitua em um modo melhor de ver o mundo. Sem se prender a critérios prévios, a filosofia pode tornar atraente um novo vocabulário.  Uma filosofia que não se constitui como uma forma de conhecimento da verdade, nem como um instrumento de conservação, mas de mudança. A realidade, para esse modo de pensamento, é um termo de valor ou de escolha.
 A Filosofia, argumenta Rorty, área da cultura fundada por Platão, teve origem na tentativa de escapar ao tempo para um mundo em que nada mudasse, de escapar dos desejos transitórios, com a idéia de que passado e futuro não têm grandes diferenças. Sociedade e cultura são assim observadas de um ponto de vista exterior, a-histórico, da verdade imutável. Quando os filósofos começaram a valorizar o tempo e a história, ao invés de desejar o conhecimento de um outro mundo, passaram a colocar suas esperanças com relação ao futuro deste mundo. A filosofia começou então a distanciar-se da questão “O que somos?” e a aproximar-se de outra “O que poderíamos vir a ser?”.

sábado, 7 de novembro de 2009

Ao mesmo tempo




Todo ano acontece em Porto Alegre a Feira do Livro. A Praça da Alfândega fica tomada pelo trânsito de pessoas circulando pelas “alamedas” cercadas de barracas de livros.  Tem também diariamente os autógrafos, palestras, encontros, contatos corpo a corpo com escritores. Muitos deles, os de sempre, outros, nem tanto.


Apesar de gostar muito da idéia de caminhar entre os livros, e de ver tanta gente fazendo a mesma coisa, tenho minhas dúvidas se esse tipo de evento consegue aproximar as pessoas da leitura, ou se ele atende bem mais à questão de vendas para os escritores (os conhecidos, divulgados), editores e distribuidores.

Pelo segundo ano seguido, depois de andar pela Feira, me interessaram as barracas das editoras universitárias, com seus livros de projetos gráficos modernos e conteúdo especial. De novo parei no stand da  Editora da Unisinos. Ano passado levei o livro Contra a Comunicação do professor de Estética e crítico de cultura italiano, Mario Perniola. Neste ano, 3 livros de Ivan Izquierdo, neurocientista argentino, naturalizado brasileiro, pesquisador em  Fisiologia da Memória. São três preciosidades: Questões sobre memória; Silêncio, por favor e Tempo de viver.


Sou fascinada por textos e livros de ensaios, ou pelos que tem gênero indefinido, “impuro”. Misturam as coisas, são ficções e ao mesmo tempo autobiográficos, são críticos, instigantes, tem linguagem inovadora e muito pessoal. São livros difíceis de serem classificados, de encontrarem nas estantes de livrarias e bibliotecas lugar óbvio e confortável.


O livro de Mario Perniola está à venda neste ano, novamente. Penso que são dois os motivos; por ser atual e por não ter lá grande público consumidor. Devem existir ainda muitos exemplares de sua edição. O título é um tanto radical, a crítica de cultura não é algo “agradável” e há uso de termos filosóficos, o que é considerado incompreensível e hermético por muitos. Uma pena.


Criaturas como Mario Perniola, que conhece bem o Brasil, tem antenas ligadas, sensibilidade aguçada em relação às coisas do mundo, aos modos de interação da atualidade. E vive num país, cujo primeiro ministro, Silvio Berlusconi, tem seu poder acrescido pelo fato de ser  dono de grande rede de comunicação. 
Destaco em seu livro uma de suas reflexões, que é a idéia de uma dimensão da comunicação de caráter “pseudocompetitivo”, que ele define como a “sub-cultura da performance”, de grande penetração social na atualidade. 
É um estilo de vida, uma sensibilidade já pronta, à mão, em que predomina o culto da performance que não estimula nada no plano individual e singular,  ao contrário, é um processo impessoal. Há nessa cultura um aspecto energético enfatizado ao máximo. Continuamente busca-se novos recordes e a superação de deficiências, não para alcançar prazer, mas para a manutenção da excitação. Caracteriza-se por ser um estado eufórico, próximo da addiction. É  violento e facilitador da entrada e da permanência das pessoas,  à força, no cenário público.


Perniola  trata a comunicação como um discurso homogeneizador em que as coisas são reduzidas à aparição pura, à ausência de conteúdo vital ou reflexivo, por conta da espetacularização e da performance.
Antes de iniciar o texto do livro ele afirma:


                           A comunicação é o oposto do conhecimento.
                               É inimiga das idéias porque necessita
                           dissolver todos os conteúdos. A alternativa
                           é assumir um modo de agir baseado na
                           memória e na imaginação, num desinteresse
                           interessado que não tenta fugir do mundo
                           mas, de forma inversa, passa a movê-lo.



Os textos do médico, neurocientista,  Ivan  Izquierdo, são surpreendentes. Delicados e ao mesmo tempo questionadores, tratam de humanidades de modo simples, próximo, e com beleza. Ele usa seus conhecimentos em Neurociências, que define como “ramo da Biologia e da medicina que abrange o estudo do sistema nervoso em todos os seus aspectos, desde a anatomia aos processos psicológicos”. 
Não há separação entre a fisiologia e a subjetividade, ambas entremeadas pela vida afora, se afetando mutuamente. Uma de suas indagações para reflexão é a seguinte : “Em que distinguimos os humanos dos demais primatas? No uso da tecnologia ou na posse de um conjunto de sentimentos e afetos que nos são essencialmente próprios?” Mais adiante ele diz: “ O desenvolvimento tecnológico dos humanos é simplesmente uma decorrência de sua capacidade intelectual e afetiva”. 

Izquierdo recorre à literatura e à arte, trazendo com isso mais sensibilidade ainda aos seus temas. Cita poetas, escritores e artistas, enaltece o poder da imaginação, critica a “sociedade anestesiada” em que nos fazem acreditar em valores que na realidade não existem. Fala da consciência cidadã voltada para um mínimo de compaixão e decência.
Para manutenção da memória, Izquierdo diz que os melhores exercícios mentais são a leitura e o hábito de estudar. Lendo é possível se recriar imagens e classificar as coisas do universo. Trabalha-se por isso com a memória visual, auditiva ou verbal. Coloca-se no centro a linguagem, que é o que nos distingue dos animais. A linguagem, lida ou ouvida, pode gerar e entender idéias, “fazer e desfazer conceitos, opiniões, leis, normas e regras, mudá-las, etc...”
Já a falta de desenvolvimento intelectual, de uso do cérebro, pelo hábito de não pensar, de não se interessar por nada, muitas vezes tido como algo inútil ou como uma “frescura”, impossibilita a capacidade de fazer e evocar memórias.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Espelho Rápido

É só uma pequenina questão de desagrado aos olhos, não de cultura da arte, propor "uma ação entre os amigos de Porto Alegre para despachar obras de arte doadas por artistas para outro lugar",de acordo com texto publicado e mural de opinião proposto esses dias aos leitores do jornal de maior circulação do estado.


No final, o problema é com a arte chamada especialmente de contemporânea, e com a Bienal do Mercosul. Ela  já  começou.


Morar numa cidade em que há obra concebida especificamente para um de  seus espaços  públicos, como a do artista Waltercio Caldas http://www.walterciocaldas.com.br  é  um privilégio. Doada em 2005 ao município pela Fundação Bienal do Mercosul (outro privilégio) para ser incorporada ao acervo permanente da cidade, Espelho Rápido foi patrocinada pelo Grupo Gerdau.










Assim como os outros artistas convidados para realizar as obras permanentes naquela edição da Bienal do Mercosul, Waltercio Caldas frequentou o espaço em que projetou  sua  obra, 
à  beira do Guaíba, com antecedência de mais de um ano.





Infelizmente, em dois anos, Espelho Rápido foi quase arruinada por furtos e vandalismo. "Skatistas arrancaram parte das hastes em aço inoxidável para incrementar suas manobras sobre o piso de granito, ladrões serraram e carregaram outro tanto de aço, pichadores se lançaram sobre os grandes blocos de basalto", diz o mesmo jornal que jogou no ar a rejeição de articulista a essa obra entre outras.
Segundo a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente, o que houve com essa obra é apenas uma mostra do que vem acontecendo com todo o patrimônio público cultural de Porto Alegre. Das cerca de 340 esculturas da cidade, 90% já foram alvo de algum tipo de vandalismo. 






terça-feira, 27 de outubro de 2009

Esmeralda

 Houve um debate inter-estadual  hoje na  tv  sobre o atual problema  do crack. A tragédia do rapaz de classe média  que matou a amiga no Rio de Janeiro,  sob efeito da droga, acionou o destaque à questão. Especialistas de diversas áreas, de mais de um estado do país,  conversaram com jornalistas sobre ações para a cura do vício, repressão aos traficantes, combate ao tráfico de armas. Falou-se também sobre internação para tratamento, público e particular.Sobre clínicas clandestinas particulares onde há tortura por meio de remédios e agressões físicas.


Da cidade de São Paulo, uma moça, a  Esmeralda, foi convidada para dar seu testemunho como ex-viciada. Há  12 anos,  ela se afastou dos roubos, do morar  na rua, do crack. Teve um filho, fez  faculdade, escreveu livro e está envolvida com música. Suas intervenções foram as mais importantes do debate. Questionou o momento tardio em que o assunto surge na mídia, já que há mais de 20 anos existe o crack nas ruas, mas é que agora tornou-se problema também de ricos, reclamou. Chamou a atenção a  respeito do modo como o assunto é abordado, com os termos pouco claros dos especialistas. E  disse o mais  importante:


-vocês só falam na repressão, punição, mas não estão ajudando a quem vive o problema como drogadito. Não adianta dizer: "não use crack", " crack mata". Digam o que fazer para preencher o vazio por não ter tido e não ter amor, nem ser aceito. Dentro e fora da família. A publicidade diz coisas o tempo todo e vocês  não dizem.


Esmeralda foi mais longe, falou que não vê muita diferença entre ricos e pobres, em relação ao querer ser amado e  aceito. E, para ela, a prevenção tem que caminhar por aí. Ela tem muita razão.



sábado, 24 de outubro de 2009

imagem e contexto






foto Jean Pimentel ( jornal Zero Hora )




Se essa imagem não tivesse sido publicada junto a matéria de jornal, poderia ser uma outra coisa. Mas é  a  imagem  do cotidiano de  16  estudantes de 8ª série que, há 4 anos, tem aula na capela Nossa Senhora Aparecida (santa padroeira do Brasil), onde são realizados  velórios. Não há verba no município para reformar o local da escola destinado às aulas. E a capela para velórios fica em frente, muito próxima.


Quando há velório, ou os alunos são transferidos para  a sala dos professores (da escola), ou ficam sem aulas, dizem seus  pais.


O presidente da Associação de moradores, que preside também a própria capela, diz que a comunidade católica não vai mais ceder o espaço da capela. "Na idade deles, adolescentes, não podem ter aula aqui. Já aconteceu até de comerem hóstia – reclama o presidente da Associação". 

Ele se preocupa também com o fato de os adolescentes ficarem impressionados a cada velório.



A direção da escola afirma que os velórios são raros no bairro Maggi de Cesaro


Local: Passo Fundo, RS,Brasil


Uma enorme violência contra a vida,e o futuro.






sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Jorge Macchi

http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2487,1.shl
Vidas paralelas, 2005
réguas de madeira de 50 cm, linha de costura
50 x 120 cm












quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Richard Rorty

Está  sendo  lançado  nesses  dias, no  Rio de Janeiro, o  livro Filosofia como Política Cultural, pela editora Martins Fontes, com ensaios escritos  entre 1997 e 2005 pelo  filósofo norte-americano Richard Rorty www.richardrorty.com.br/index.htm


Para Rorty, o impulso que nos leva  a  pensar, a investigar, a  tecermo-nos de maneira cada vez mais complexa, não é o espanto diante do mundo, que Aristóteles atribuía como a causa do início da Filosofia, mas o horror de descobrirmo-nos como uma réplica, uma cópia. E acabar os nossos dias  num mundo que nunca fizemos, que foi herdado. Espera-se inventar  novas formas de sermos humanos e  não  confirmar  a  estabilidade e a ordem. 
O apreço pela contingência caminha em sentido diverso da busca de um sentido universal para a existência humana, este marcado pelas grandes continuidades, pela permanência e pelo caráter a-histórico da vida humana. Deste modo, um selo viria impresso em nós, como uma marca essencial e necessária.


E não há como fundir espaço privado e público, lembra Rorty. Não encontramos uma perspectiva única que possa abarcar justiça, solidariedade humana e perfeição privada. A autocriação e a justiça social não tem como ser colocadas juntas ao nível da teoria.  Providências sociais e políticas não podem ser tratadas com as mesmas ferramentas que a busca de realização pessoal, auto-criação e auto-desenvolvimento.


Indo ainda mais longe, Rorty  fala de uma utopia ( compreendida como algo não estático), em que não há obrigatoriamente, entre os intelectuais, uma identidade em relação ao que buscam como pessoas, individualmente, nem eles seriam os detentores do debate e das decisões acerca do objetivo da sociedade como um todo, nem haveria interesse social em saber que intelectual estaria "controlando tudo".





perigo, arte


  "a arte didática resulta da necessidade. Leva para o foco, faz convergir. As obras mais inexplicáveis seduzem – quer dizer, etimologicamente, levam para o lado. Afastam da linha. Tiram de foco. Tiram do sério, como se diz. (Como o desejo)."






http://www.youtube.com/watch?v=fZYFgVLZjDc

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Politização na arte

Ainda com Ronaldo Brito, pensando a arte :


 Diferentemente da  arte partidária, valorizada num passado nem tão distante, é  melhor falarmos hoje que a politização na arte  está mais próxima de uma " tomada de consciência por parte do artista do modo como o produto artístico é consumido em nossa sociedade, bem como a tomada de consciência de seu papel de agente cultural nessa mesma sociedade". E ainda: " a crescente politização dos artistas ocidentais se manifesta sobretudo como a recusa das margens tradicionalmente reservadas à arte - para que não atingisse, perigosamente, a vida prática das pessoas. Como um esforço de conhecer as possibilidades da arte de servir como um modo de  transformar as relações das pessoas consigo mesmas e com a sociedade. A politização dos novos artistas talvez seja o reconhecimento de que o mito do artista como alguém que vivia nas nuvens caiu irremediavelmente por terra, e é hora de saber qual o seu lugar no mundo dos vivos".
Ronaldo Brito publicou essas idéias em 1974, no texto O acontecimento artístico, um dos mais censurados entre seus textos da seção cultural do jornal Opinião que acabou em 1977. 









  Quando se diz hoje que a arte não serve para nada, é para enfatizar a desvalorização de seu comprometimento com, ou de seu estar a  serviço de determinados movimentos, como os de "poder político", que pretenderam aniquilar a pluralidade humana, como ocorreu  com o realismo socialista. Também a arte não tem como função decorar e embelezar ambientes.



segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Demiurgo

              poema de Ronaldo Brito em  Quarta do Singular (1989)


Arte está em apagar
uma a uma as palavras
multiplicar assim
o aspecto geral do nada
tumultuosos crípticos
fabulosos nadas
matéria da vida exata
textualmente volátil










domingo, 18 de outubro de 2009

Reflexão na visão de imagens

  trabalho em gravura de Regina Silveira  http://reginasilveira.uol.com.br  na exposição Dentro do traço, mesmo.






Regina Silveira,2006
água, tinta e processo serigráfico
69 x 49,3 cm

Mostra de parte do acervo de arte contemporânea em gravura da Fundação Iberê Camargo,em Porto Alegre,com curadoria de Teixeira Coelho que concebeu para esse evento uma imprevisível  disposição física para as obras. Livres de molduras, fixadas com pregos em painéis, paredes de madeira simples e crua, ou em cima de  mesas de  mesmo aspecto,as gravuras ficaram mais visíveis em si mesmas e, ao mesmo tempo, mais próximas da visão e do corpo do espectador. Diz o curador que sua intenção maior - como resposta  à idéia do Programa do Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo - foi   “ser fiel, como possível, à tendência de Iberê de ‘não emitir conceitos, não propor definições’. Ver a gravura como um modo de pensar e sugerir uma dança livre a seu redor." 
Além dessa obra de Regina Silveira,estão na exposição, entre outras, gravuras de 
Amílcar de Castro, Daniel Senise, José Rezende, León Ferrari, Nelson Leirner, Jorge Macchi,  Álvaro Siza – o arquiteto responsável pelo projeto da sede da instituição.
Dentro do traço, mesmo.  fica  no Iberê até 19/11/2009




    Lago Guaíba visto do Museu Iberê Camargo, foto de Vicente Frei...






   
 Museu Iberê Camargo, foto  de Vicente Frei...










Mixidez

É  uma tradução possível  para a palavra  mixité , em francês - aquilo que é misto, que tem os  componentes  feminino e  masculino. Está relacionada à idéia de escola  mista ( para ambos os sexos). Algo incomum ainda no início da segunda metade do século 20. 


A  filósofa francesa contemporânea, Sylviane Agacinski (que não está tratando de sexualidade) utiliza a idéia de misto para valorizar a diferença (o contrário de  identidade) estão que estão numa origem que não é simples, nem única, por ser  feminina e masculina, ponto de partida da diversidade humana que se faz visível em cada pessoa. Cada homem e/ou cada mulher é também um tanto misto e múltiplo. 
É pensando na humanidade a partir desse duplo começo que a filósofa pergunta: " Não é o outro sexo, para nós, a fisionomia mais próxima do estrangeiro? Pois é da forma que pensamos o outro sexo que depende o modo de pensarmos o outro, em geral". E há um esforço interminável da humanidade,que prima pela plasticidade, para interpretar, cultivar, dar sentido à diferença dos sexos.


 Da reflexão em torno da mixidez  fica a  distância entre os sentidos que se pode dar às palavras desigualdade e diferença, bem como de suas consequências  O primeiro, a ser combatido em sua prática, na vida pessoal, social,o segundo, a  exigir maior atenção por ser determinante, também pessoal e socialmente.Outra coisa que fica em evidência  é que, por mais que se tente, o mundo, os feitos, as pessoas, jamais serão compreendidos  com simplificações e por conveniências. Parece óbvio, mas na prática é o que mais se faz.