sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Christopher Hitchens

A doença que cada vez mais caracteriza o início do século 21 levou à morte, ontem, Christopher Hitchens. Uma figura impactante que tive a oportunidade de ouvir logo que cheguei em Porto Alegre. Tenho esse texto que escrevi resumindo sua conferência no Seminário Fronteiras do Pensamento.




Deus não é grande


Conferência de Christopher Hitchens
Fronteiras do Pensamento-06.11.2007


Com um posicionamento a favor do secularismo, da emancipação mental e espiritual, do ateísmo e do anti-teísmo, Christopher Hitchens trouxe como questão algo que considera não só interessante, mas decisivo e urgente para se pensar o estar no mundo: a escolha entre as leis da biologia - baseadas na Razão, e a crença em um plano divino - perpetuadora da Fé. Uma opção a ser feita entre a teoria da evolução natural, introduzida na ciência por Darwin, única teoria que lhe parece convincente, e a criação divina.

Hitchens argumentou que as religiões, mesmo não sendo iguais, compartilham de uma mesma ilusão perigosa e sinistra, a de que a fé é melhor do que a razão.
Como primeira tentativa de explicar a natureza, a religião é uma maneira primitiva de compreensão da realidade. É a infância aterrorizada de nossa espécie, quando não sabíamos que nosso planeta girava,não conhecíamos os microorganismos e as causas dos terremotos. Mas nos dias de hoje, apesar da assimilação cultural de proposições racionais, como as de Darwin e de Einstein, a barbárie, os terrorismos praticados em nome dos “partidos de deus”, colocam a humanidade em estado semelhante ao seu ano zero. Além de serem um atraso, a teocracia, a ideologia messiânica, são estúpidas e brutais.

Quanto à ação moral, ela pode ser praticada pelos não crentes. A religião não é um código moral, pelo contrário, ela nos insulta em nossa integridade mais profunda. Como uma espécie de truque sado-masoquista, ela produz uma moralidade ditatorial, aterrorizante, arrogante, vista na identificação da natureza humana ao abjeto, ao pecado, à doença. E, no entanto, há coisas malignas e insanas feitas em nome da religião, como a sujeição da mulher à vontade dos homens, a mutilação genital, a repressão sexual, as mentiras contadas às crianças sobre céu e inferno, a mentira sobre a morte concreta e inevitável.

A ditadura celestial das religiões dá origem ao totalitarismo, como na Coréia do Norte, um dos casos mais exemplares. Existem no mundo pessoas que querem dominar e parte de nós somos cúmplices. A idéia de privacidade nas religiões é abolida por um estado de vigilância total e de uma imposição do tipo “você precisa me amar e me temer”. Trata-se de um amor compulsório, de um sistema inescapável de vigilância. A negação absoluta da liberdade. A contribuição humana não é necessária para a religião, o que é esperado é apenas a lealdade.

Por fim, respondendo a perguntas dos alunos do curso de altos estudos, Christopher Hitchens afirmou que o neo-criacionismo, apesar de algum avanço nos EUA, foi vetado recentemente pelos tribunais de justiça. Disse que não acredita na ausência de dominação em práticas religiosas como o espiritismo, nem que os direitos humanos sejam preservados no catolicismo latino-americano. Alertou sobre a contradição colocada na terminologia “Teologia da Libertação”. Tem é que acontecer uma libertação da teologia, apontou. Quanto à indagação sobre a violência norte-americana, utilizada em nome da Razão, no caso da bomba atômica no Japão, Hitchens colocou-se a favor dessa ação, assim como da invasão do Iraque, ambas voltadas, na sua visão, para a destruição do fascismo. Quanto à necessidade humana de algo transcendente, não é preciso que esteja ligada ao sobrenatural, argumentou. Podemos nos voltar para a arte, para a tarefa cultural.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Natal de Clarice

Em algum jornal de televisão vi uma moça dando rápida entrevista por conta da corrida às compras no natal. Ganhando 600 reais por mês, mesmo tendo comprado há pouco tempo uma TV bem moderna, ela estava de olho em um novo aparelho. Ela disse algo como: “vou comprar, está todo mundo comprando!”. Pois é, a sensibilidade pessoal vai-se herdando e assimilando do mundo. Em alguns casos, há atrito permanente entre o que nos chega assim, absorvido como o ar que se respira, e o sentimento de que há algo pessoal desencontrado com esse trajeto certeiro do que chega ligado no automático.
É que não dá para deixar de pensar, vendo essa situação, em Clarice Lispector. Ainda mais por esses dias: foi aniversário dela agora. Me fascinam muitos dos contos que escreveu . Mas tenho um pedaço de um deles - publicado em “A felicidade Clandestina”- que toca nessa sensibilidade estrangeira ao que vem pronto como modo comum e a ser incorporado como sentimento e desejo. O pequeno texto sai do conto “ Menino a Bico de Pena”.

“Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O próprio menino ajudará sua domesticação; ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa ajuda que lhe pedimos é para seu auto-sacrifício. Ultimamente ele tem até treinado muito. E assim continuará progredindo até que, pouco a pouco- pela bondade necessária com que nos salvamos – ele passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. Fazendo o grande sacrifício de não ser louco. Eu não sou louco por solidariedade com os milhares de nós que, para construir o possível, também sacrificaram a verdade que seria uma loucura”.