quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ficcionalidades: Happening

Ficcionalidades: Happening: Roberto Corrêa dos Santos boa noite ele disse. boa noite. o paraninfo disse boa noite. e repetiu. boa noite. o paraninfo ...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

cultura, século 21

Sobre pensamento crítico em política Cultural



Em 1997, o escritor e crítico de Arte Teixeira Coelho publicou o livro Dicionário Crítico de Política Cultural ( editora Iluminuras). O livro está sendo reeditado agora com atualizações no conteúdo e forma.

O objetivo original do Dicionário , como diz o autor, era "mostrar um modo de pensar a política cultural". Na nova edição ele propõe "um esquema do que pode ser uma política cultural apropriada para o século 21".

Diz Teixeira Coelho:



"Desconhecimento da complexidade do fenômeno cultural e desconhecimento "simples" das instâncias mais elementares do constructo cultural: essa é a realidade dos estudos e dos congressos de política cultural um pouco por toda parte. Fala-se de cultura e do que deve ser feito para "democratizá-la" e pouco ou nada se sabe a respeito daquilo sobre o que se fala e se dispõe, se planeja e administra.

Gestores culturais são formados ou se formam sem jamais terem aberto um livro de antropologia cultural, medidas sobre turismo cultural e cooperação cultural internacional e desenvolvimento humano e econômico, sustentável ou não, são discutidas e propostas e defendidas sem que os interlocutores tenham de fato uma sombra de ideia da complexidade da realidade que buscam manipular. Nada ou muito pouco disso mudou.

Algo se intensificou, porém. Certamente como consequência desse desconhecimento que perdura (e que o aprofunda). Refiro-me ao amplo e difundido processo de domesticação da cultura ao longo das duas últimas décadas do século 20 e, em particular, da década de 1990. Descobriu-se, ou passou-se a propor, nos congressos dos organismos internacionais e dos pesquisadores da cultura, nas universidades e fora delas, que a cultura promovia o desenvolvimento econômico, portanto o desenvolvimento humano. E a paz. E a diversidade.

A cultura surgia como mola da geração de renda individual e de ganhos no PIB, por gerar produtos diretamente traduzíveis em renda e acúmulo de capital. E a cultura poderia construir ou reconstruir socialidades, promover a educação e a saúde, e a igualdade entre os gêneros e entre as preferências sexuais e as faixas etárias. A cultura poderia fazer tudo. Virou politicamente correto falar da positividade da cultura. E a cultura virou, ela mesma, politicamente correta.

O desconhecimento da complexidade latente, e por vezes patente, de inúmeros fenômenos culturais levou a ver, na cultura, apenas seu potencial de apaziguamento, de conformação, de controle. Se uma cidade se revelava demasiado violenta, o remédio era e seria aumentar a dose de cultura. Se nas escolas da periferia os jovens e mesmo as crianças demonstravam uma invulgar capacidade de agressão mútua e aos professores, a solução estava no aumento da cultura a que se deveriam expor.

A ênfase no favorecimento à cultura no quadro das políticas públicas e dos investimentos das empresas foi feito por inúmeros pesquisadores da sociedade como alternativa às divisões provocadas pela ideologia, pela religião e por manifestações mais corriqueiras como o futebol (e não é por acaso que aqui se arma uma oposição entre cultura e futebol; se é fato que de um lado se lê pouca antropologia cultural no campo da política cultural, por outro lado é demasiadamente forte a vinculação ao conceito antropológico tradicional de cultura segundo o qual cultura é tudo -o idioma, a dança, artes, a roupa, o direito, as crenças religiosas e os esportes-, noção que não serve à política cultural e não a faz avançar um milímetro).

Eles estavam justificados nessa decisão, sem dúvida. Não só a cultura era a melhor opção como provavelmente já fosse a única, uma vez que as demais, como a economia, a ideologia e a religião, haviam falhado miseravelmente. Mas os novos defensores da cultura cometeram um erro, em seguida: acreditaram demais e sem reservas no que diziam, assim como antes já se havia acreditado que a cultura poderia levar à igualdade de classes e à bondade humana generalizada (não toda cultura, claro: apenas um determinado tipo de cultura, a do realismo socialista, a do nacional-socialismo, a da
religião X ou Y etc.).

A cultura podia e pode fazer alguma coisa daquilo tudo que lhe jogaram às costas. Mas, não tudo. E não toda a cultura. Talvez, até, uma parte da cultura possa fazer tudo que dela passou-se a esperar. Mas não toda ela. Insistindo em desconhecer a complexidade do processo cultural, desconheceram por exemplo que a arte não se comporta como a cultura, não busca os mesmos objetivos da cultura e persegue, mesmo, metas opostas à da cultura. Isso foi igualmente desconhecido, porém, e também a arte foi jogada no mesmo processo de domesticação. Arte para salvar o mundo, arte para salvar da Aids, arte para salvar da fome. A arte nunca poderia fazer isso.

E foi então que alguma coisa mudou -sem que de fato o admitissem. Sobreveio o 11 de setembro de 2001, com o ataque às Torres Gêmeas de Nova York. Stockhausen, o compositor de vanguarda, declarou que aquilo era "a maior obra de arte da história". Não entenderam o que ele disse, tiveram medo de entender o que dizia, indignaram-se e, por conseguinte, atacaram-no. Sempre se ataca aquilo que se desconhece. E a carreira do músico foi praticamente encerrada.
O que Stockhausen fez, no entanto, foi simples: lembrou-nos, depois de décadas de esquecimento, que a arte é não apenas perigosa como também destruidora. A cultura pode unir, aproximar, cuidar das pessoas, reconfortá-las. Já a arte, sobretudo a moderna e a contemporânea, foram feitas para causar estranhamento, separar, incomodar, intranquilizar. Contrária à cultura, a arte não se preocupa com a construção das identidades ou da pátria ou do grupo no poder.4

O que se descobriu com o 11 de setembro foi a negatividade da cultura e, quando não, o inerte cultural, aquela reserva da cultura que não ostenta os mesmos sinais e não tem os mesmos efeitos que duas décadas de domesticação haviam reconhecido na cultura. Isso foi descoberto e ao mesmo tempo imediatamente esquecido de novo.

Recalcado é o termo freudiano para isso. Não registrado. O ataque às Torres foi visto como excepcional e Stockhausen, como um insano. Como quase todo grande artista.

E mais uma vez nada mudou, desde que este Dicionário teve sua primeira edição.
E no entanto, algumas coisas mudaram. Os direitos culturais entraram em cena para ficar -tanto quanto podem ficar, enfim, tanto quanto recebem real atenção. Vieram de uma ideia que já estava em circulação desde a primeira declaração da Unesco a respeito do tema, em 1996, e de uma segunda emitida pela mesma organização dez anos depois -ambas baseadas na Declaração de Direitos Humanos de 1948. 


Este Dicionário não a registrou, em sua primeira edição. Registrou algo talvez até mais sugestivo e mais radical, algo ainda mais atrevido e, no fundo, perigoso: o direito ao belo. Mas não registrou os direitos culturais.

A diversidade cultural também foi outra inovação do período, reconhecida por uma outra declaração da Unesco, esta de 2005. Como outras inovações, em política cultural, na cultura e em tantas outras disciplinas, também esta foi sequestrada por uma ideia velha, por uma ideia ossificada, uma ideia que se pode reconhecer e que portanto não assusta (embora esta, particularmente, devesse assustar e muito): a da identidade, em suas várias figurações -a identidade pessoal, a coletiva, a comunitária, a grupal e a mais terrível delas, a nacional.

Essa é a única ideia que realmente deveria assustar, em cultura: como observou o escritor italiano Cláudio Magris, prêmio Príncipe Astúrias de literatura, a identidade, disfarçada em fronteira, sempre cobra seus tributos em sangue. Tem cobrado ao longo da história da humanidade e continua cobrando neste exato momento, neste dezembro de 2008 em que se escreve este prefácio. E a única coisa que seus adeptos fervorosos encontram para remediá-la é... mais identidade, mais defesa da identidade, mais crimes em nome da identidade.

Como se vê, muita coisa mudou e quase nada mudou desde a primeira edição deste Dicionário. Mudou a tecnologia com a qual sua primeira edição foi produzida (e a tecnologia nova responsabilizou-se por fazer perder muita coisa que, previa-se, seria acrescentada às eventuais edições posteriores desta obra: as novas tecnologias sempre trazem perdas ao lado dos ganhos que propõem) e muda a ideia de autor de um trabalho de criação.

Vários termos e não termos novos poderiam, portanto, ser incluídos neste Dicionário. Mas ele não foi feito originariamente com o objetivo de crescer indefinidamente e indefinidamente acompanhar seus objetos, a cultura e a política cultural. Seu objetivo era outro: mostrar um modo de pensar a cultura e a política cultural, um modo que respondesse ao conhecimento acumulado em quase um século e meio, para remontar a um período de efervescência no campo das humanidades e que coincide com meados do século 19. Um conhecimento acumulado na forma de uma cultura objetiva e objetivada que, no entanto, não encontra seu caminho para transformar-se em real cultura subjetiva.

Mostrar uma possibilidade de pensar a cultura e a política cultural de um modo que fosse não apenas filosoficamente contemporâneo como, também, historicamente contemporâneo do momento atual. Isso é o que se pretendia. Nessa perspectiva, acrescentar novos verbetes não é essencial. Este Dicionário pode continuar a crescer na medida das contribuições que outros possam fazer, nos termos da antiga noção de autoria ou da nova. Ele é um estímulo, muito mais que um thesaurus.

Esse entendimento não impediu que seu texto fosse agora inteiramente revisto, coisas fossem acrescentadas e outras, eliminadas. Alguns poucos novos (mas decisivos) verbetes foram de fato incluídos nesta edição pela primeira vez. Mas, admitindo que este volume é antes uma coletânea de temas do que de termos, a principal diferença é que nesta edição ele se atreve a apresentar ao final, em posfácio, algo que estava ausente da primeira: um esquema do que pode ser uma política cultural apropriada a um século 21 e que enfim ponha em prática os traços da modernidade reflexiva que busca se instalar entre nós desde o início do século 19. Nada assegura que essa modernidade, ou como se julgue melhor chamá-la, vá de fato se implantar.

Nada assegura que uma regressão esteja descartada. Em todo caso, este volume conclui-se pela exposição desse germe de uma política cultural contemporânea. E se o faz é porque fica reconhecido que esse esquema é suficientemente aberto, amplo e generoso, talvez mais do que qualquer prática ou experimento de política cultural do passado. E expondo-se, esse esquema coloca em cena alguns desses termos novos (ou aos quais se prestou nova e revigorada atenção) que se deveriam introduzir no volume como novos verbetes. No entanto, se fossem simplesmente incluídos no corpo do Dicionário como outros tantos verbetes, é possível que não chamassem a atenção como deveriam fazê-lo. Buscando evitar esse risco é que se infringe, com esse posfácio, a regra básica deste Dicionário.

 Por outro lado, é sempre a exceção que dá vigor à regra. E de todo modo, a forma do posfácio disfarça suficientemente que se trata de uma infração à regra.
Na realidade, esse posfácio corresponde ao modo como minha reflexão sobre esses temas desenvolveu-se depois que a primeira edição foi lançada. Essa reflexão deu-se por ensaios, artigos, livros publicados, livros organizados, e não mais por verbetes (que no entanto agora retornam à cena). A sucessão de verbetes teve seu objetivo inicial, que o prefácio à edição brasileira indica a seguir: mostrar que a Política Cultural podia apresentar-se como disciplina acadêmica (para não dizer científica) e ter direito de residência na universidade, na forma de atividade de ensino a traduzir-se em disciplinas de graduação e pós-graduação e num campo próprio de pesquisa, distinto de tantos outros que insistiam em dizer que englobavam em si a Política Cultural (como os campos da sociologia, da ciência política, da filosofia, da comunicação, das artes) apenas para melhor condená-la ao silêncio. Isso está demonstrado e está alcançado -embora, claro, não ainda na mesma universidade onde tudo isso começou...

Certa vez cheguei a imaginar que se pudessem incluir numa nova edição do Dicionário os diferentes ensaios que o continuam por outros meios. Seria como ter num único volume o dicionário propriamente dito (a coleção de termos, como num dicionário qualquer de uma dada língua), a gramática (não tanto as regras pelas quais os termos se juntam ou devem se juntar mas o modo pelo qual o fazem) e a fala concreta da cultura e da política cultural, sua tradução efetivada num pensamento em ato. O volume ficaria longo demais, fora de alcance econômico. A transformação tecnológica já em curso terminará por tornar realidade isso que até agora é apenas fantasia. Até lá, o Dicionário continua a ser o que foi: uma experiência de abrir portas e revolver o campo plantado, no mais estimulante sentido de cultura, que é, não a terra nem o cultivo da terra, mas essa lâmina do arado que revolve inteiramente a terra para o novo plantio, deixando-a num estado que é ao mesmo tempo desolador e estimulante."

Notas

4 Detenho-me mais longamente nesse episódio de Stockhausen e na comparação entre arte e cultura no livro "A Cultura e seu Contrário" (Iluminuras).


domingo, 29 de abril de 2012

Coisas

Não se fala mais nisso ( são assim as notícias bombásticas) : Gabriel o Pensador iria ganhar cachê de 170 mil reais para participar da feira do livro da cidade de Bento Gonçalves. O que nunca se fez, durante a polêmica alimentada pela ZeroHora, a partir da revolta  contra a alta cifra e manifesto publicado no mesmo jornal por um escritor gaúcho, foi a busca do esclarecimento.
Achei tudo leviano. Primeiro, a desqualificação do Gabriel o Pensador, como se não fosse um escritor com premiação no Jabuti. Segundo, foi preciso que o Gabriel viesse do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul  para dar explicações a respeito do dinheiro envolvido em sua participação na Feira do Livro de Bento Gonçalves. Detalhe: foi convidado para ser Patrono dessa Feira neste ano. O prefeito considerou importante juntar, com verbas distintas, a área da cultura e educação. O escritor/cantor/compositor iria fazer um show com sua banda e teria dois mil livros distribuídos nas escolas. Faria palestras, contato com crianças e jovens. Ficará uns dez dias envolvido com a Feira do Livro na cidade de Bento Gonçalves.
Decidiu, depois dos protestos, inclusive de leitores do jornal influenciados, manifestos no Facebook e outros, que não faria mais o show, nem venderia mais seus livros para a prefeitura para que fossem distribuídos nas escolas. Participaria  do evento como Patrono da feira, apenas, com muito orgulho.

Errou a prefeitura, indelicada com o escritor/músico, e com o que combinou com ele,ao não se pronunciar rapidamente.
Na polêmica  na mídia só se falava em  cachê para o "artista", o rapper. Sempre se omitiu a obra literária para crianças e jovens de Gabriel O Pensador. Sem se mencionar, ainda, o trabalho social, de longas datas, voltado para os  jovens sem recursos financeiros.
 Repito  que houve leviandade  quanto ao que foi divulgado ao povo gaúcho a respeito da obra  do escritor  e do que estava em questão.
Quando surgiu o Gabriel O Pensador, como um cantor, eu não tinha identificação  com as músicas. Mas essa pessoa tem uma história de vida cultural pública que precisa ser respeitada. E ele não precisa passar por esse tipo de situação.


Falando em  outras coisas, as boas, que acrescentam  à vida, aqui  está uma entrevista do poeta Floriano Martins com o poeta Sergio Campos, publicada no Diário de Cuiabá.
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=410419

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Christopher Hitchens

A doença que cada vez mais caracteriza o início do século 21 levou à morte, ontem, Christopher Hitchens. Uma figura impactante que tive a oportunidade de ouvir logo que cheguei em Porto Alegre. Tenho esse texto que escrevi resumindo sua conferência no Seminário Fronteiras do Pensamento.




Deus não é grande


Conferência de Christopher Hitchens
Fronteiras do Pensamento-06.11.2007


Com um posicionamento a favor do secularismo, da emancipação mental e espiritual, do ateísmo e do anti-teísmo, Christopher Hitchens trouxe como questão algo que considera não só interessante, mas decisivo e urgente para se pensar o estar no mundo: a escolha entre as leis da biologia - baseadas na Razão, e a crença em um plano divino - perpetuadora da Fé. Uma opção a ser feita entre a teoria da evolução natural, introduzida na ciência por Darwin, única teoria que lhe parece convincente, e a criação divina.

Hitchens argumentou que as religiões, mesmo não sendo iguais, compartilham de uma mesma ilusão perigosa e sinistra, a de que a fé é melhor do que a razão.
Como primeira tentativa de explicar a natureza, a religião é uma maneira primitiva de compreensão da realidade. É a infância aterrorizada de nossa espécie, quando não sabíamos que nosso planeta girava,não conhecíamos os microorganismos e as causas dos terremotos. Mas nos dias de hoje, apesar da assimilação cultural de proposições racionais, como as de Darwin e de Einstein, a barbárie, os terrorismos praticados em nome dos “partidos de deus”, colocam a humanidade em estado semelhante ao seu ano zero. Além de serem um atraso, a teocracia, a ideologia messiânica, são estúpidas e brutais.

Quanto à ação moral, ela pode ser praticada pelos não crentes. A religião não é um código moral, pelo contrário, ela nos insulta em nossa integridade mais profunda. Como uma espécie de truque sado-masoquista, ela produz uma moralidade ditatorial, aterrorizante, arrogante, vista na identificação da natureza humana ao abjeto, ao pecado, à doença. E, no entanto, há coisas malignas e insanas feitas em nome da religião, como a sujeição da mulher à vontade dos homens, a mutilação genital, a repressão sexual, as mentiras contadas às crianças sobre céu e inferno, a mentira sobre a morte concreta e inevitável.

A ditadura celestial das religiões dá origem ao totalitarismo, como na Coréia do Norte, um dos casos mais exemplares. Existem no mundo pessoas que querem dominar e parte de nós somos cúmplices. A idéia de privacidade nas religiões é abolida por um estado de vigilância total e de uma imposição do tipo “você precisa me amar e me temer”. Trata-se de um amor compulsório, de um sistema inescapável de vigilância. A negação absoluta da liberdade. A contribuição humana não é necessária para a religião, o que é esperado é apenas a lealdade.

Por fim, respondendo a perguntas dos alunos do curso de altos estudos, Christopher Hitchens afirmou que o neo-criacionismo, apesar de algum avanço nos EUA, foi vetado recentemente pelos tribunais de justiça. Disse que não acredita na ausência de dominação em práticas religiosas como o espiritismo, nem que os direitos humanos sejam preservados no catolicismo latino-americano. Alertou sobre a contradição colocada na terminologia “Teologia da Libertação”. Tem é que acontecer uma libertação da teologia, apontou. Quanto à indagação sobre a violência norte-americana, utilizada em nome da Razão, no caso da bomba atômica no Japão, Hitchens colocou-se a favor dessa ação, assim como da invasão do Iraque, ambas voltadas, na sua visão, para a destruição do fascismo. Quanto à necessidade humana de algo transcendente, não é preciso que esteja ligada ao sobrenatural, argumentou. Podemos nos voltar para a arte, para a tarefa cultural.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Natal de Clarice

Em algum jornal de televisão vi uma moça dando rápida entrevista por conta da corrida às compras no natal. Ganhando 600 reais por mês, mesmo tendo comprado há pouco tempo uma TV bem moderna, ela estava de olho em um novo aparelho. Ela disse algo como: “vou comprar, está todo mundo comprando!”. Pois é, a sensibilidade pessoal vai-se herdando e assimilando do mundo. Em alguns casos, há atrito permanente entre o que nos chega assim, absorvido como o ar que se respira, e o sentimento de que há algo pessoal desencontrado com esse trajeto certeiro do que chega ligado no automático.
É que não dá para deixar de pensar, vendo essa situação, em Clarice Lispector. Ainda mais por esses dias: foi aniversário dela agora. Me fascinam muitos dos contos que escreveu . Mas tenho um pedaço de um deles - publicado em “A felicidade Clandestina”- que toca nessa sensibilidade estrangeira ao que vem pronto como modo comum e a ser incorporado como sentimento e desejo. O pequeno texto sai do conto “ Menino a Bico de Pena”.

“Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O próprio menino ajudará sua domesticação; ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa ajuda que lhe pedimos é para seu auto-sacrifício. Ultimamente ele tem até treinado muito. E assim continuará progredindo até que, pouco a pouco- pela bondade necessária com que nos salvamos – ele passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. Fazendo o grande sacrifício de não ser louco. Eu não sou louco por solidariedade com os milhares de nós que, para construir o possível, também sacrificaram a verdade que seria uma loucura”.