quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

a condição humana

Hannah Arendt:

Todo ser humano já é por natureza um novo começo nunca antes revelado nem antes visto no mundo.



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

resumo da melodia

Mais ou menos em 1998,  fui vizinha fisicamente bem  próxima de uma atriz inteligente e bonita, Maria Ribeiro. Tive grande carinho pela avó dela, a vizinha anterior, e nos aproximamos por isso. Depois de algumas conversas, com  sensibilidade e gentileza, Maria viu em mim afinidades com o pensamento de alguém que sei que ela muito admira: Domingos de Oliveira. Ganhei um livro de autoria dele de presente, recebi convites para  suas peças em cartaz, mas não me aproximei, infelizmente. E havia uma peça em que a própria Maria atuava. 
Maria tinha razão, toda vez que leio, escuto, vejo, Domingos de Oliveira, sinto afinidades.  




Uma nova receita para o cinema brasileiro 


Domingos de Oliveira, em OGLOBO, Cultura, 27.01.2010




Para falar de cinema, é preciso primeiro concordar com o que ele é. E sobre o que ele é no Brasil. O cinema é uma arte, antes de tudo. O bem que ele faz à humanidade em seus 100 anos de existência é inegável. Por outro lado, nos países ricos, particularmente Estados Unidos, Índia e Japão, o cinema é uma indústria. Não aqui, conforme prova a reportagem do segundo caderno ( de OGLOBO) , do dia  17 de janeiro.

Segundo esse artigo, o produtor não fica com mais de 5% do total da bilheteria, e , por isso, nenhum filme brasileiro ( com raríssimas exceções ) dá lucro ao produtor. Claro que alguns filmes, baseados em fórmulas comprovadas anteriormente, fazem o seu lucro. mas são exceções que em geral não contribuem muito para a cultura do país e seu renome no mundo. É evidente que há alguma coisa errada.  Na base. temos uma lei até generosa ( de renúncia fiscal ). Se funcionasse.

Será realmente o cinema brasileiro uma indústria? Parece uma ofensa fazer essa pergunta. Pessoalmente, respondo que não. Não temos para o cinema uma vocação especial como temos para a música. E não temos dinheiro. O país é pobre. O filme estrangeiro domina o mercado, e não temos chance de competir, resumindo a melodia. Porém, não queria discutir esse assunto. Quem quiser continuar a bater nessa tecla que continue.É assunto para homem de negócios, e não para artistas. Repito: que continue tudo como está. Embora errado.

Já fiz alguns filmes, não sei se o leitor os admira. Isso não importa. É certo que me coloco no melhor nível do cinema brasileiro. E cada vez, na medida em que tenho espaço, é mais difícil para mim fazer um filme. Convenhamos: há alguma coisa errada. na verdade, creio que está tudo errado.. para que o cinema exista com atividade, todos concordam, é preciso ganhar o mercado externo. E as TVs. Digo que estamos caminhando na estrada errada. Não é necessário que um país pobre como o nosso gaste tanto dinheiro em entretenimento. Não é necessário fazer filmes no Brasil. É necessário fazer bons filmes no Brasil, esse é o ponto aonde eu queria chegar. O cinema brasileiro, representado por alguns de nossos competentes legisladores e ambiciosos produtores, deve continuar seu caminho inglório de comprovados maus resultados. Porém é urgente e imprescindível  abrir a primeira página do Segundo Caderno para defender uma outra viela.. Esta, sim, promissora, cheia de vida e esperança. Refiro-me ao filme de arte. Material básico não nos falta. Ser brasileiro é ser artista. O filme de arte não é necessariamente impopular. basta lembrar Charles Chaplin, Scorsese e muitos outros.. Ele apenas nega o princípio de que o povo só ri de piadas que já conhece. Isto é menosprezar o público. O cinema brasileiro que quiser alcançar o povo brasileiro não terá que perguntar o que ele quer. terá que dar-lhe o que ele precisa. De modo que aqui venho de novo defender a criação urgente do Ministério da Arte.

Sei que isso faz rir aqueles que, atrás das mesas, pensam que a arte é supérflua e elitista. Não é. A arte é aquilo que lembra os homens dos seus melhores valores. A honra, o amor, a dignidade etc... A arte é que ensina o home a lutar contra a corrupção, contra a discriminação, contra a desigualdade social. E ela é boa nisso. Temos de fazer filmes populares de arte. Ou até impopulares, porém de arte. Vejo o sorriso zombeteiro do burocrata que só pensa nele e nas leis. " Mas como vamos saber se um filme? A coisa é muito subjetiva, etc..." Que comissão julgaria esses filmes de arte? A pergunta é absolutamente inadequada. mais que isso, é uma falácia imoral. Pensamentos aparentemente corretos destroem tudo, como "violência atrai violência", "os fins justificam os meios" e outros lemas do demônio. A verdade é que qualquer criança, qualquer homem de bem, qualquer pessoa séria , sabe imediatamente distinguir o que é arte e o que não é, o que é o Bem e o Mal, o que é a Ordem ou o Caos, o que é motivo de viver ou  morrer, o que faz crescer ou diminuir. Estaríamos perdidos se isso não acontecesse.

Claro que comissões que decidem rotineiramente desde que filmes devem ser patrocinados até o orçamento nacional agem desprezando a meritocracia e buscando a vantagem política ou financeira. Vivemos tempos muito áridos , mas isso não precisa continuar assim por toda a vida. O Ministério da Arte descobriria, através de uma comissão competente e uma investigação ampla, quais os reais talentos do país, quais são  os roteiros  mais próximos da perfeição e, mais importante que isso, incentivaria a iniciativa pública, a iniciativa privada, a fazer filmes com dinheiro do próprio bolso.Filmes baratos que, tendo qualidade, seriam fartamente recompensados. Não quero perder tempo na explicação de como seria regulamentada uma política desse tipo, porém quero afirmar que isso é facílimo. Que é barato também comparado com os milhões de gastos da Lei Rouanet cujo resultado pífio os números demonstram. Nem tudo o que é antigo é falso. Antigamente havia o Ministério da Educação e Cultura. Realmente, Cultura tem muito mais a ver com a educação do que com a arte, com o passado do que com o futuro.

Assuntos importantes, como a preservação do patrimônio nacional, ou das bibliotecas, ou da criação da ambicionada mas talvez utópica indústria cinematográfica brasileira, devem continuar a ser ardentemente considerados, porém a meta maior foi e sempre será a arte. Foi daí que veio tudo e para lá deve voltar. Ninguém concordará com esse manifesto que propõe um novo jogo, mais inteligente. Apesar da imensa simpatia que nutro pela figura vital e máscula de nosso atual ministro, ele luta em uma linha que a prática demonstrou ser fracassada, já que nenhum filme brasileiro realmente se paga. Julgar pelo resultado é um argumento forte,não pode ser varrido para debaixo do tapete. Quanto tempo mais é preciso continuar a dar um murro na ponta da faca? Não deu certo o modelo brasileiro de cinema. É preciso arranjar outro, colocar a imaginação no poder, pedir o impossível - já que somos homens razoáveis. Sei que essa colocação escorrerá pela parede da burocracia, como se tivesse jogado um ovo ali. Não me importa. Estou certo. Portanto, um dia, provavelmente depois da minha morte, vencerei.