quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Forma

Paulo Bruscky:





A arte é uma forma de ver, não de fazer



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O eu e os outros - O eu e as obras de arte – Um modo de ver

 Primeira metade do século 20, Martin Buber, judeu austríaco, filósofo, diz:

 Frequentemente, julgamos tanto as pessoas quanto os objetos por sua função. Isto pode ser útil: para um médico, ao examinar um paciente a procura de doenças específicas, é melhor que ele veja o paciente como um organismo e não como indivíduo; cientistas podem aprender muito sobre nosso mundo observando-o, medindo-o, examinando-o, testando-o.

Infelizmente, vemos as pessoas do mesmo modo na maioria das vezes. Ao invés de nos tornarmos completamente acessíveis, compartilhando totalmente, realmente conversando, compreendendo o outro, nós os observamos ou mantemos parte de nós mesmos fora do momento da relação. Nós fazemos isto para proteger nossas vulnerabilidades ou para fazer com que eles respondam de alguma maneira pré-concebida, para conseguir alguma coisa.

Para Buber, a relação ideal, que chama de Eu-Tu acontece quando se está completamente imerso na relação, realmente entendendo e “estando lá” com outra pessoa, sem máscaras, pretensões, falsidades, até mesmo sem palavras. Na dimensão da alteridade é que o filósofo vê o espaço entre o “eu” e o “outro”,  o autêntico terceiro,que chama de relação inter-humana, diferente de relações sociais.
Assim, perceber o outro é tomar dele um conhecimento íntimo, diferente da observação analítica que reduz e transforma o outro em simples objeto.  É "tornar o outro presente", pelo diálogo, pela palavra, sem que haja supremacia de um sobre o outro.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Coisa antigas que ( ainda) não estão entre nós

  Depois dos anos 1960, estudiosos de literatura, como o alemão Wolfgang Iser, deram-se conta de que determinado procedimento de interpretação de textos não conseguia explicar obras da literatura daquele contexto. Ou melhor, os critérios não mais alcançavam as obras, ou as obras começaram a se tornar incompreensíveis diante dos procedimentos habituais de interpretação. Determinadas convenções orientadoras não atendiam à recepção das obras literárias.
 Novas experiências culturais da modernidade, proposições teóricas de mais de uma área de conhecimento e mais o clima anti-autoritário da revolta estudantil de 1968 no mundo, colaboraram nesse sentido. A perspectiva que Wolfgang Iser propõe trata o fenômeno literário como algo relacionado à contingência, à idéia de diferença, de construção parcial de mundo, de caráter provisório das identidades, de equilíbrio flutuante, de “heterarquias”, ao invés de hierarquias.  E de uma noção de indivíduo que leva em conta suas realizações, sua linguagem, suas obras, seus costumes, sua cultura.

 Iser se inspira em pontos de vista da época voltados para o relacional, o inclusivismo, a contextualização, a temporalidade. Estuda-se literatura, diz Iser, para entender como as coisas são o que são. Ao invés de procurar a verdade, a literatura busca estudar o lugar da emergência. Não há diferença entre ficção e realidade - continuamente formatada e produzida.Por isso, recorre à sociologia do conhecimento, à psicanálise, à psicologia, para compreensão dos mecanismos de subjetivação como interações complexas, que ele vê também na relação entre texto e leitor.


As investigações de Berger e Luckmann, na sociologia do conhecimento  dizem  respeito à Construção Social da Realidade. Questionando a visão do caráter a-histórico do “sistema social” e da “natureza humana”, os dois autores trazem uma perspectiva radicalmente diferente das concepções teóricas vigentes ao assinalarem que o homem ao construir a realidade, se constrói a si próprio, em processo de transformação constante, em que natureza, sociedade, realidade objetiva e subjetiva, vão se opor e se integrar. Importa, portanto, o que é dado, o que aparece como empírico e não o caráter de causalidade. Desse modo, as instituições, o instituído,  são construídos  a partir da relação entre sujeito e sociedade, onde os limites entre um e outro são bastante tênues.  


Ronald Laing, H. Phillipson e A. R. Lee, ligados ao movimento  chamado de anti-psiquiatria dos anos 1960/70, mostraram como  os  modelos  clássicos  no  âmbito da psicologia e da psicanálise, primando por  um ponto de vista egotista,  eram  insuficientes  para  a concepção de   identidade. As teorias e estudos do indivíduo, isolando-o de seu contexto, garantem uma identidade constituída de um “eu” fechado e desvinculado do mundo dos outros.
Esses autores, a partir de uma área de conhecimento que chamam de “fenomenologia social”, mostram como a posição de uma pessoa é experimentada por outra, no face a face, o que pode ser estendido a qualquer outra díade. Trata-se de distinguir entre uma concepção da vida social como constituída por uma multiplicidade de egos e outra que tem a experiência do eu somente enriquecida na relação com o  você, ela, ele, nós, eles.


Iser recorre também às idéias de Roland Barthes e propõe o  texto como jogo


 O prazer do texto, a “absorção mais intensa do leitor no jogo do texto”, sistema de leitura caro a Barthes, significa para Iser a  capacidade de absorção do leitor no “jogo do texto”. Um sistema de leitura que convém ao “texto limite”, o texto moderno. Aqui, diz ele, o sujeito se põe no jogo, “pondo-se em jogo; desliza para o texto”.  Uma leitura, um jogo, uma relação, que requer um sujeito que se elimine como referência, para que transpasse o limiar, o outro.
 Para Barthes ao abstrair-se de si mesmo, o leitor torna-se um leitor “aristocrático”, que não é o mesmo que um leitor elitista. O “aristocrata” de Barthes é aquele que abandona seus costumes, familiaridades, evidências. O prazer dessa relação está no outro, ele surge a partir das condições do texto. Nesse caso, o prazer que é puramente do próprio sujeito, desaparece rapidamente numa interação do sujeito com o texto onde o prazer pode ser desdobrado em repetição infinita, pelo auto-esquecimento, pelo perder-se. Talvez alcance até uma eternidade que na vida real não se tem como  alcançar. O deslizar para a falta de fundamento, para a experiência da alteridade, é o que está em jogo nessa relação onde “o sujeito leitor coincide com o ‘sujeito do texto’”.




domingo, 8 de novembro de 2009

Outro lado



   Em  O outro lado da obra (Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, 12/04/2003. P.8), Annateresa Fabris lembra que no século 15 o artista sai da condição social de artesão para a de intelectual, passando a engajar-se em discussões sobre os processos criadores, a partir de um ideal de correspondência com realidades concebidas a-historicamente.


 Esse artista-intelectual elabora tratados para a reflexão, especialmente sobre a perspectiva e a pintura como um método de reprodução fidedigna da realidade, e também sobre as leis universais para composição e sobre o conceito de beleza.


Do século 19 para cá, os artistas-intelectuais tem seu pensamento inserido no circuito social da arte por meio de publicação de artigos em jornais, revistas e em apresentações para as próprias exposições. Ao herdar culturalmente essas modalidades de intervenção, o século 20 não apenas as multiplica, mas acaba por torná-las quase que obrigatórias na relação do artista com a sociedade, como um papel mesmo a ser desempenhado pela própria arte.


 Na primeira metade do século 20, guiado pelo intuito pedagógico, o artista moderno, artista teórico, escreve artigos e livros, elabora manifestos, nos quais expõe quase sempre suas própria concepções de arte e seus métodos de trabalho. Obra e teoria tornam-se cada vez mais entrelaçados constituindo um programa operacional, um projeto estético.


  Nas décadas de 1960 e 70, o minimalismo e a arte conceitual colaboram para a atitude teórica na arte. Artigos são escritos por artistas como modo de explicitar a moldura teórica que justifica a práxis e também a vertente conceitual é apresentada como processo contínuo de reflexões que são, elas mesmas, proposições de definições de arte. Ao mesmo tempo, nesse contexto, estreitaram-se as relações entre as esferas culturais da arte e da política, principalmente com os movimentos neovanguardistas que introduzem ações estético-políticas de críticos e artistas em conjunto.


  Tal aproximação  acaba por romper com as fronteiras que separavam  antes o crítico do artista, o trabalho teórico do trabalho prático.  No Brasil dos anos 1960, críticos e artistas lançam propostas que acompanham os projetos das neovanguardas internacionais, desde a pop art até a arte conceitual. De um lado, é colocada em questão a trajetória do objeto artístico tradicional até a total desmaterialização da arte. A arte se transforma em processos, comportamentos, sensações e conceitos. De objetual, a arte passa a conceitual.  
 Além disso, os discursos dos críticos e dos artistas se inseriram no debate intelectual sobre a cultura brasileira.  Com o golpe militar de 1964, as propostas questionadoras das novas vanguardas resultam na articulação de uma cultura artística alternativa de resistência ao autoritarismo daquele contexto.


 Uma nova relação entre arte e política junta um antagonismo radical à política cultural estatal com questionamentos acerca do projeto moderno brasileiro. Essa diferente mentalidade resulta na combinação inventiva do programa utópico das vanguardas com novas poéticas que buscavam a inserção da arte na vida cotidiana dos grandes centros urbanos, considerando a importância da cultura de massa e dos avanços tecnológicos da sociedade industrial.


  A experimentação e a contestação são levadas ao limite da desmaterialização artística na neovanguarda.  Formulações conceituais para uma nova vanguarda, independente, brasileira, inserida criticamente na vida urbana, problematizam as categorias artísticas convencionais proclamando propostas experimentais, sensoriais, conceituais e processuais, em substituição à postura tradicionalmente contemplativa e esteticista.


Esse movimento coletivo, de artistas e críticos militantes, prosperou nos grandes centros urbanos do país, por meio de seminários, debates, documentos, publicações, Salões de Arte Moderna, Bienais, colunas de arte de jornais, tendo como uma de suas expressões mais significativas, em 1967, a exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nesse evento, a proposta ambiental impactante de Hélio Oiticica, intitulada Tropicália, além de sintetizar as propostas neovanguardistas, torna-se um marco na afirmação de uma arte política genuinamente brasileira.















 Outras manifestações significativas de ações coletivas dessa neovanguarda se seguiram após o evento no MAM do R.J. como o Arte na Rua, proposto também por Oiticica; Arte Pública no Aterro, coordenado por Oiticica e Frederico de Morais e O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa, na Escola de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, exposição organizada por Frederico de Morais.


 Na virada para os anos 1970, Frederico de Morais conclama os artistas e os críticos a "se posicionarem radicalmente contra a arte convencional imposta pelos países hegemônicos",com atuações imprevistas e inusitadas, reivindicando um espaço para a liberdade de expressão verbal, comportamental e política.  Junto com novos artistas da ocasião, como Cildo Meirelles e Artur Barrio, o crítico realiza em Belo Horizonte o evento Do Corpo à Terra,  que ele mesmo chamou depois de a última manifestação coletiva da nova vanguarda no Brasil. Aqui,  propostas corporais, ecológicas e políticas  acabaram por se transformar em  ritual simbólico de reivindicação libertária e de protesto contra a repressão que imperava no país.


 Estudiosos da cultura artística brasileira, como Otília Arantes (Depois das Vanguardas: Arte em Revista, São Paulo. Ano 5. Número 7.25.08.1983) consideram que as neovanguardas brasileiras fecham o ciclo da arte moderna brasileira nos anos 1970, situando-se no   limite entre o moderno e o pós-moderno.   


 Em 1979, a propósito da produção artística-crítica de Waltércio Caldas Jr, o crítico Ronaldo Brito (em Chiarelli, Tadeu. O Tridimencional na Arte Brasileira dos Anos 80 e 90:genealogias,Superações.Em Tridimensionalidade.São Paulo,Cosac & Naify/ Itaú Cultural.1999) chama atenção para a impossibilidade de se ignorar o poder do circuito artístico. 
Para tanto, Brito reivindicava articulações radicalmente mais críticas e posturas e práticas artísticas desestabilizadoras dos conceitos instituídos na arte, para que esta “não acabasse se tornando uma mercadoria qualquer”. Brito questionava com sua posição a visão utópica das novas vanguardas.


 Grande parte dos artistas surgidos nesse período pós-neovanguarda  dos anos 1970, lança mão  claramente de um legado da arte moderna internacional que é a obra crítica de Marcel Duchamp, e com ela, toda a experiência mais radical do dada e do surrealismo. Via Duchamp, outros dadas e algumas vertentes surrealistas, os artistas operavam uma crítica à instituição “belas-artes”, rompendo com os códigos formais estabelecidos, os códigos hegemônicos da visualidade, da “linguagem” da arte.


Por não terem rompido com a explicitação da obra de arte pelo uso de algum mecanismo de materialização, os artistas, inspirados na vertente conceitualista internacional, passaram a utilizar materiais e objetos, das mais diversas procedências, desvinculados do universo canônico da arte. Abriu-se assim espaço para distintas poéticas, questionadoras e, ao mesmo tempo, permeáveis às mitologias individuais.   



As artes visuais passam a  incluir outros territórios, como o próprio corpo, o ambiente, em suas dimensões urbanas, geográficas, cósmicas, meios eletrônicos os mais diversos, o que torna as obras muitas vezes indescritíveis.
Tadeu Chiarelli lembra que essas obras não pressupõem algum conhecimento anterior à própria experiência do espectador diante delas. Elas comunicam primeiramente a presença delas mesmas, constituídas de materiais e formas articuladas, “à procura de um significado final que apenas o espectador-e cada um particularmente – pode dar, a partir de sua própria experiência de estar frente à obra, ou mesmo dentro dela (caso das instalações)”.











 Não há parâmetros mais para os artistas, nem para a crítica.  A base para cada artista é ele mesmo, enquanto artista, com toda carga histórica dessa atividade, enquanto pessoa, com seu próprio corpo, sua biografia, seu lugar, origem, etc... O artista é ele mesmo um pensamento se fazendo obra, ele é um movimento artístico.




Conversações

Na perspectiva do filósofo norte-americano Richard Rorty, de uns duzentos anos para cá, duas tendências vêm reunindo suas forças e tornando-se culturalmente preponderantes no mundo ocidental.  A Revolução Francesa mostrou que o vocabulário das relações sociais, assim como o espectro das instituições sociais, poderiam ser substituídos de um dia para o outro. A idéia de verdade como algo a ser revelado dá lugar à noção de que a verdade é feita, construída. 
Mais ou menos na mesma época, os poetas românticos passaram a ver a arte não mais como imitação, mas como autocriação do artista. Para o Romantismo, a arte deveria ocupar o mesmo lugar na cultura que a filosofia e a religião haviam ocupado, e ainda o mesmo lugar que o Iluminismo reclamava para a ciência.  No final do século 18 houve uma abertura para a idéia de que a moral, o mal, o bem, os valores, poderiam ser substituídos por novas re-descrições dos objetos em causa. O instrumento capital de mudança passou a ser visto mais como o talento para falar de outra maneira do que para a boa argumentação.


   Desde então, alguns filósofos vieram mantendo fidelidade ao iluminismo, identificando a filosofia com a ciência, considerada como a atividade paradigmática do ser humano. O antigo confronto entre ciência e religião, razão e irracionalidade, assume, para essa linha de pensamento, a forma de um confronto entre a razão e as forças culturais que pensam a verdade como sendo feita e não descoberta. O fato científico sólido passa a ser contraposto ao fato subjetivo.
 Já outros filósofos tomam a ciência como mais uma atividade humana, alinhando-se tanto ao lado dos políticos utópicos, que vislumbram transformações sociais, quanto dos artistas inovadores, que pensam a arte como autocriação – não como imitação, e a realidade como indiferente em grande parte às descrições que dela fazemos.
   Para esses intelectuais, perspectiva alguma poderia ser considerada a mais correta.  Não há correspondência entre a visão e o modo como as coisas são, pois elas não existem natural  e a-historicamente. Modos de dar sentido à vida particularmente das pessoas ou à vida social e coletiva, tornaram-se questões para a arte ou para a política e não mais para a religião, filosofia da tradição ou ciência.  
Rorty sugere que a filosofia seja aberta à contingência da linguagem, que ela se ocupe da re-descrição de várias coisas, de muitas outras maneiras, sem que isso se constitua em um modo melhor de ver o mundo. Sem se prender a critérios prévios, a filosofia pode tornar atraente um novo vocabulário.  Uma filosofia que não se constitui como uma forma de conhecimento da verdade, nem como um instrumento de conservação, mas de mudança. A realidade, para esse modo de pensamento, é um termo de valor ou de escolha.
 A Filosofia, argumenta Rorty, área da cultura fundada por Platão, teve origem na tentativa de escapar ao tempo para um mundo em que nada mudasse, de escapar dos desejos transitórios, com a idéia de que passado e futuro não têm grandes diferenças. Sociedade e cultura são assim observadas de um ponto de vista exterior, a-histórico, da verdade imutável. Quando os filósofos começaram a valorizar o tempo e a história, ao invés de desejar o conhecimento de um outro mundo, passaram a colocar suas esperanças com relação ao futuro deste mundo. A filosofia começou então a distanciar-se da questão “O que somos?” e a aproximar-se de outra “O que poderíamos vir a ser?”.

sábado, 7 de novembro de 2009

Ao mesmo tempo




Todo ano acontece em Porto Alegre a Feira do Livro. A Praça da Alfândega fica tomada pelo trânsito de pessoas circulando pelas “alamedas” cercadas de barracas de livros.  Tem também diariamente os autógrafos, palestras, encontros, contatos corpo a corpo com escritores. Muitos deles, os de sempre, outros, nem tanto.


Apesar de gostar muito da idéia de caminhar entre os livros, e de ver tanta gente fazendo a mesma coisa, tenho minhas dúvidas se esse tipo de evento consegue aproximar as pessoas da leitura, ou se ele atende bem mais à questão de vendas para os escritores (os conhecidos, divulgados), editores e distribuidores.

Pelo segundo ano seguido, depois de andar pela Feira, me interessaram as barracas das editoras universitárias, com seus livros de projetos gráficos modernos e conteúdo especial. De novo parei no stand da  Editora da Unisinos. Ano passado levei o livro Contra a Comunicação do professor de Estética e crítico de cultura italiano, Mario Perniola. Neste ano, 3 livros de Ivan Izquierdo, neurocientista argentino, naturalizado brasileiro, pesquisador em  Fisiologia da Memória. São três preciosidades: Questões sobre memória; Silêncio, por favor e Tempo de viver.


Sou fascinada por textos e livros de ensaios, ou pelos que tem gênero indefinido, “impuro”. Misturam as coisas, são ficções e ao mesmo tempo autobiográficos, são críticos, instigantes, tem linguagem inovadora e muito pessoal. São livros difíceis de serem classificados, de encontrarem nas estantes de livrarias e bibliotecas lugar óbvio e confortável.


O livro de Mario Perniola está à venda neste ano, novamente. Penso que são dois os motivos; por ser atual e por não ter lá grande público consumidor. Devem existir ainda muitos exemplares de sua edição. O título é um tanto radical, a crítica de cultura não é algo “agradável” e há uso de termos filosóficos, o que é considerado incompreensível e hermético por muitos. Uma pena.


Criaturas como Mario Perniola, que conhece bem o Brasil, tem antenas ligadas, sensibilidade aguçada em relação às coisas do mundo, aos modos de interação da atualidade. E vive num país, cujo primeiro ministro, Silvio Berlusconi, tem seu poder acrescido pelo fato de ser  dono de grande rede de comunicação. 
Destaco em seu livro uma de suas reflexões, que é a idéia de uma dimensão da comunicação de caráter “pseudocompetitivo”, que ele define como a “sub-cultura da performance”, de grande penetração social na atualidade. 
É um estilo de vida, uma sensibilidade já pronta, à mão, em que predomina o culto da performance que não estimula nada no plano individual e singular,  ao contrário, é um processo impessoal. Há nessa cultura um aspecto energético enfatizado ao máximo. Continuamente busca-se novos recordes e a superação de deficiências, não para alcançar prazer, mas para a manutenção da excitação. Caracteriza-se por ser um estado eufórico, próximo da addiction. É  violento e facilitador da entrada e da permanência das pessoas,  à força, no cenário público.


Perniola  trata a comunicação como um discurso homogeneizador em que as coisas são reduzidas à aparição pura, à ausência de conteúdo vital ou reflexivo, por conta da espetacularização e da performance.
Antes de iniciar o texto do livro ele afirma:


                           A comunicação é o oposto do conhecimento.
                               É inimiga das idéias porque necessita
                           dissolver todos os conteúdos. A alternativa
                           é assumir um modo de agir baseado na
                           memória e na imaginação, num desinteresse
                           interessado que não tenta fugir do mundo
                           mas, de forma inversa, passa a movê-lo.



Os textos do médico, neurocientista,  Ivan  Izquierdo, são surpreendentes. Delicados e ao mesmo tempo questionadores, tratam de humanidades de modo simples, próximo, e com beleza. Ele usa seus conhecimentos em Neurociências, que define como “ramo da Biologia e da medicina que abrange o estudo do sistema nervoso em todos os seus aspectos, desde a anatomia aos processos psicológicos”. 
Não há separação entre a fisiologia e a subjetividade, ambas entremeadas pela vida afora, se afetando mutuamente. Uma de suas indagações para reflexão é a seguinte : “Em que distinguimos os humanos dos demais primatas? No uso da tecnologia ou na posse de um conjunto de sentimentos e afetos que nos são essencialmente próprios?” Mais adiante ele diz: “ O desenvolvimento tecnológico dos humanos é simplesmente uma decorrência de sua capacidade intelectual e afetiva”. 

Izquierdo recorre à literatura e à arte, trazendo com isso mais sensibilidade ainda aos seus temas. Cita poetas, escritores e artistas, enaltece o poder da imaginação, critica a “sociedade anestesiada” em que nos fazem acreditar em valores que na realidade não existem. Fala da consciência cidadã voltada para um mínimo de compaixão e decência.
Para manutenção da memória, Izquierdo diz que os melhores exercícios mentais são a leitura e o hábito de estudar. Lendo é possível se recriar imagens e classificar as coisas do universo. Trabalha-se por isso com a memória visual, auditiva ou verbal. Coloca-se no centro a linguagem, que é o que nos distingue dos animais. A linguagem, lida ou ouvida, pode gerar e entender idéias, “fazer e desfazer conceitos, opiniões, leis, normas e regras, mudá-las, etc...”
Já a falta de desenvolvimento intelectual, de uso do cérebro, pelo hábito de não pensar, de não se interessar por nada, muitas vezes tido como algo inútil ou como uma “frescura”, impossibilita a capacidade de fazer e evocar memórias.